06 maio, 2005

Considerações sobre Nós

Conheço esse livro já faz alguns anos. A primeira vez que ouvi falar a respeito dele e de seu autor foi logo quando comecei a tomar contato com a obra de George Orwell. Um amigo me disse que havia um livro de um escritor russo que teria inspirado o Orwell e o Huxley a escreverem suas distopias, 1984 e Admirável Mundo Novo, respectivamente. Porém a edição brasileira esse livro estava esgotada e era praticamente impossível encontrar nos sebos e bibliotecas.

Pois, numa dessas ocasiões em que não se tem mais o que fazer, resolvi fazer uma pesquisa no google para saber mais sobre o autor, e nos resultados estava o site da editora Alfa-Omega. Li a biografia do autor no site, e enviei o link para um amigo (o mesmo que havia me informado sobre o livro) e ele me perguntou se eu já havia comprado. Só aí que eu percebi que a Alfa-Omega estava reeditando o livro!!

Comprei o livro por intermédio da livraria cultura (pois o sistema de compras online da editora estava com problemas). É uma edição tosca, com papel e tratamento editorial de péssima qualidade.

Nós já havia sido editado duas vezes antes no Brasil, a primeira pela Edições GRD, em 1962, sob o título "A Muralha Verde", traduzido do francês. A segunda edição brasileira foi pela extinta Editora Anima, em 1983, traduzida do inglês mantendo o título original. Aliás, um dos méritos da nova edição é que ela foi traduzida diretamente do russo, num excelente trabalho.

Evgueny Zamiatin, autor de Nós, era engenheiro. Isso explica a profissão do personagem principal, D503, matemático, o construtor do Integral. O integral que levará a felicidade do Estado Unificado aos tantos mundos selvagens existentes no universo.

É aos habitantes desses mundos selvagens que D503 dirige suas anotações, para a glória do Benfeitor e do Estado Unificado. Eles devem receber a felicidade da vida racional nem que para isso seja necessário subjugá-los.

Assim D503 vai narrando as maravilhas da vida em seu mundo (o nosso, 1000 anos no futuro), a forma como cada número (pessoa) é peça de uma engrenagem maior e como cada um é perfeitamente substituível em prol do bem geral. Fala de suas casas com paredes de vidro, pois ninguém tem nada a esconder, da unanimidade do pensamento, da beleza das formas geométricas, de como o estado vem trabalhando arduamente para poder cancelar as horas pessoais de cada um e como isso seria bom.

A narrativa em primeira pessoa, a contradição entre o discurso matemático do protagonista e a confusão mental em que acaba se envolvendo tornam o livro bem mais intimista que 1984 e Admirável Mundo Novo. Chega a beirar o surrealismo, com as descrições fantásticas que faz das coisas e dos mecanismos de seu mundo.

D503 quer reduzir o comportamento humano a uma equação racional, com números inteiros. Na verdade é isso o que faz o Estado Unificado ao controlar e ocupar cada segundo da vida dos habitantes (mesmo relações sexuais acontecem mediante registro público prévio, com hora e local estabelecidos). Porém algo não se encaixa em sua própria equação, há um número irracional, uma raiz quadrada de -1 que insiste em aparecer como resultado.

O livro expõe de forma direta e concisa, a falácia do totalitarismo. Não se dirige especificamente ao stalinismo, facismo ou nazismo, embora seja possivel reconhecer facetas desses sistemas, mas a qualquer forma de poder excessivo sobre as pessoas.

Huxley elege o fordismo e suas linhas de produção como representação do mecanicismo de seu mundo imaginário, Zamiátin busca em Taylor e seus estudos de tempo e movimento a justificativa para o controle absoluto de todos os movimentos dos homens: "E que beleza exata: nem um gesto supérfluo, sem um desvio, nem uma viragem". O taylorismo aplicado à vida pessoal de cada um: Imagine se cada um se comportasse em casa, na rua e nas horas de folga como se estivesse trabalhando no Mc Donald!!!! Mas por sorte existe a raiz quadrada de -1, que impede D503 de agir conforme um relógio

ZAMIÁTIN, Evgueny. Nós. São Paulo: Alfa-Omega, 2004, 212 p.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tá errada a referência bibliográfica, ô biblioiniciante de meia tigela! Depois do ano e antes do número de páginas vem um ponto final(.)

20:31  
Anonymous Anônimo said...

Duas observações:
a) "Nós" foi escrito em 1920, 1921. Portanto, é improvável que ele faça alusão ao fascismo, ao nazismo ou mesmo ao stalinismo. Simplesmente porque, à época, Hitler era apenas um obscuro agitador político de extrema direita e Mussolini e Stalin ainda não haviam chegado ao poder na Itália e URSS, respectivamente. A sociedade do Benfeitor foi inspirada na então jovem Rússia comunista (ainda com Lênin à frente) e nos preceitos da Administração Clássica (Taylor, Ford). Zamiatin escreveu “Nós” com um olho nas novas formas de organização social em voga no início do século XX e com outro na utopia do progresso.
b) D-503 se ferrou pelo mesmo motivo do Winston: uma buça...

20:55  

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