Foi bastante estranho, eu estava sentado lendo, enquanto o ônibus me levava para uma parte esquecida da cidade, uma parte que eu detesto, mas que tem aquilo que mais me importa.
Ela já estava sentada lá quando cheguei. Eu preferia ter sentado sozinho, pois assim evitaria essas situações de pernas se tocando, um joguinho que eu já enjoei. Mas como não tinha nenhum banco vazio, eu escolhi aquele por que ela me pareceu ser anti-social o suficiente para me odiar por isso e então me deixar em paz. Funcionou por um tempo e eu pude ler sem ser incomodado.
Porém alguma motivação que eu não sei explicar, fez com que um diálogo absurdo se estabelecesse.
-- Desculpa, posso te interromper?
-- Sim?
-- Tu por acaso não teria 10 folhas de ofício pra me vender?
Olhei bem pra ela. Esse não é o tipo de coisa que se fala pra puxar assunto. Ela tinha um rosto bonito e parecia drogada. Fiquei pensando em como ela poderia se chapar com 10 folhas de ofício, mas não me ocorreu nada.
Então pensei, ela pode estar tentando me impressionar, se passar por escritora. Bem, se ela conhecesse o que eu estava lendo - o velho Buko - teria percebido que isso não é o tipo de coisa que me impressiona. De qualquer forma mandei:
-- Queria escrever?
-- Não, não. é pra um trabalho. Desculpa, desculpa.
-- Ah, não foi nada, se eu tivesse as folhas te daria.
-- Ah, obrigado, eu ia mandar uma mensagem agorinha mesmo -- e pegou o celular.
Ela parecia bastante nervosa, como se precisasse das folhas para escrever um testamento. Pensei em mais alguma coisa pra dizer, mas não veio. Ficamos ali sentados, eu fingindo que lia e ela calada. 5 minutos depois ela se levantou, disse tchau e me deu um tiro na cabeça.