18 maio, 2005

World Wild Web

No mundo antigo os filósofos tinham a pretensão de saber tudo sobre o mundo. Meia verdade. Certamente alguns a tinham, mas os bons sabiam: só sei que nada sei.

Na Biblioteca de Alexandria (a antiga) tinha-se a idéia de que 700.000 rolos de papiro (cada rolo equivalia à algumas páginas de um livro) seria a totalidade do conhecimento humano registrado. Era o ideal da biblioteca universalista que abrigaria tudo sobre todos os assuntos. A biblioteca de Babel do Borges.

Em que ponto na linha do tempo o ideal da biblioteca universal perdeu o sentido eu não saberia estimar, mas em uma época em que a maior biblioteca do mundo possui mais de 100 milhões de livros, sendo que seriam necessárias 37.000 vezes esse acervo para equivaler à produção de conhecimento no mundo em um único ano, esse ideal só faz sentido na literatura fantástica do Borges.

Será?

A maior parte dessa informação toda foi produzida em meio magnético e está armazenada nos milhões de computadores interconectados que formam a internet.

A Web já tem proporções de galáxia, e nela viajamos na velocidade da luz (mesmo com Dial Up). Quanto mais as tecnologias avançam cada vez mais conteúdo é agregado e cada vez mais entramos na rede. A democratização utópica do conhecimento já é tecnologicamente viável.

Porque então estamos tão distantes desse ideal???

É que não sabemos o que fazer com essa informação toda, não sabemos por onde começar. Está tudo alí, a um clique da gente, a receita de bolo e a de napalm. Nunca antes o só sei que nada sei foi tão aplicável. E além disso, além de adquirir informação, nós podemos gerá-la! Por mais irrelevante que seja, a necessidade de expressão pode ser satisfeita com a Web, gerando nova informação. E assim ela se retroalimenta.

Como na Biblioteca de Babel, a Web tem de tudo, a tese, a antítese e a síntese, em todas as línguas faladas e escritas no mundo. Muita coisa não faz sentido algum, outras fazem todo o sentido.

Mas talvez o grande choque da Web seja o fato de que ela eliminou a confiança religiosamente depositada na palavra escrita, tanto no sentido da confiabilidade do texto quanto na segurança de sua linearidade.

Sabemos que ao ler um livro, nunca fugiremos do assunto, suas páginas são numeradas, não nos dão possibilidade de qualquer fuga (a não ser os devaneios entre um parágrafo e outro). Mas a estrutura de hiperlinks da Web transforma a leitura em uma conversa de bar, em que um assunto puxa o outro e logo não se sabe mais como se chegou a determinado assunto.

O fato de qualquer um publicar qualquer coisa na web sem qualquer revisão editorial amplia a sensação de papo de buteco*. É como conversar com amigos, alguns vão estar bem informados e atualizados, outros desatualizados, outros ainda vão dar crédito à boatos, e a maioria vai aumentar um pouco as histórias para torná-las mais "interessantes".

Essas diferenças (e mais uma série de outras) tornam a Web confusa para quem está acostumado a pensar o mundo de maneira exata.

Vai ser necessário trocar cognitivamente a geometria euclidiana dos livros pela geometria fractal da Web para poder aproveitar a totalidade de seus recursos.

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*Pierre Lévy fez uma ótima analogia entre a linguagem da Web e a comunicação oral. Não lembro o livro agora.

06 maio, 2005

Considerações sobre Nós

Conheço esse livro já faz alguns anos. A primeira vez que ouvi falar a respeito dele e de seu autor foi logo quando comecei a tomar contato com a obra de George Orwell. Um amigo me disse que havia um livro de um escritor russo que teria inspirado o Orwell e o Huxley a escreverem suas distopias, 1984 e Admirável Mundo Novo, respectivamente. Porém a edição brasileira esse livro estava esgotada e era praticamente impossível encontrar nos sebos e bibliotecas.

Pois, numa dessas ocasiões em que não se tem mais o que fazer, resolvi fazer uma pesquisa no google para saber mais sobre o autor, e nos resultados estava o site da editora Alfa-Omega. Li a biografia do autor no site, e enviei o link para um amigo (o mesmo que havia me informado sobre o livro) e ele me perguntou se eu já havia comprado. Só aí que eu percebi que a Alfa-Omega estava reeditando o livro!!

Comprei o livro por intermédio da livraria cultura (pois o sistema de compras online da editora estava com problemas). É uma edição tosca, com papel e tratamento editorial de péssima qualidade.

Nós já havia sido editado duas vezes antes no Brasil, a primeira pela Edições GRD, em 1962, sob o título "A Muralha Verde", traduzido do francês. A segunda edição brasileira foi pela extinta Editora Anima, em 1983, traduzida do inglês mantendo o título original. Aliás, um dos méritos da nova edição é que ela foi traduzida diretamente do russo, num excelente trabalho.

Evgueny Zamiatin, autor de Nós, era engenheiro. Isso explica a profissão do personagem principal, D503, matemático, o construtor do Integral. O integral que levará a felicidade do Estado Unificado aos tantos mundos selvagens existentes no universo.

É aos habitantes desses mundos selvagens que D503 dirige suas anotações, para a glória do Benfeitor e do Estado Unificado. Eles devem receber a felicidade da vida racional nem que para isso seja necessário subjugá-los.

Assim D503 vai narrando as maravilhas da vida em seu mundo (o nosso, 1000 anos no futuro), a forma como cada número (pessoa) é peça de uma engrenagem maior e como cada um é perfeitamente substituível em prol do bem geral. Fala de suas casas com paredes de vidro, pois ninguém tem nada a esconder, da unanimidade do pensamento, da beleza das formas geométricas, de como o estado vem trabalhando arduamente para poder cancelar as horas pessoais de cada um e como isso seria bom.

A narrativa em primeira pessoa, a contradição entre o discurso matemático do protagonista e a confusão mental em que acaba se envolvendo tornam o livro bem mais intimista que 1984 e Admirável Mundo Novo. Chega a beirar o surrealismo, com as descrições fantásticas que faz das coisas e dos mecanismos de seu mundo.

D503 quer reduzir o comportamento humano a uma equação racional, com números inteiros. Na verdade é isso o que faz o Estado Unificado ao controlar e ocupar cada segundo da vida dos habitantes (mesmo relações sexuais acontecem mediante registro público prévio, com hora e local estabelecidos). Porém algo não se encaixa em sua própria equação, há um número irracional, uma raiz quadrada de -1 que insiste em aparecer como resultado.

O livro expõe de forma direta e concisa, a falácia do totalitarismo. Não se dirige especificamente ao stalinismo, facismo ou nazismo, embora seja possivel reconhecer facetas desses sistemas, mas a qualquer forma de poder excessivo sobre as pessoas.

Huxley elege o fordismo e suas linhas de produção como representação do mecanicismo de seu mundo imaginário, Zamiátin busca em Taylor e seus estudos de tempo e movimento a justificativa para o controle absoluto de todos os movimentos dos homens: "E que beleza exata: nem um gesto supérfluo, sem um desvio, nem uma viragem". O taylorismo aplicado à vida pessoal de cada um: Imagine se cada um se comportasse em casa, na rua e nas horas de folga como se estivesse trabalhando no Mc Donald!!!! Mas por sorte existe a raiz quadrada de -1, que impede D503 de agir conforme um relógio

ZAMIÁTIN, Evgueny. Nós. São Paulo: Alfa-Omega, 2004, 212 p.

01 maio, 2005

Polução Noturna

Uma porta, um corredor. Pânico, carros rápidos, uma moça frágil. Um olhar, uma troca de silêncios. Nada mais a fazer, só sexo. Tão brutal e sem contexto quanto o possível, cobrir. Acordes semi-humanos de rompendo o silêncio. Olhares concretos, irreal palpável. Mutação, fusão. Espasmo! Acordar molhando o colchão.