10 março, 2006

alguns sonhos...

Tem aqueles sonhos em que a gente bate em alguém mas parece que nem faz cócegas ou então corre sempre sem sair do lugar. São sonhos sobre impotência diante de alguma coisa ou fato.

Ultimamente eu tenho vivido assim o tempo inteiro, me sentindo impotente pra resolver qualquer problema e o que é pior, parece que as minhas tentativas de solução me enroscam mais ainda. Um loser, um perdedor, assim que eu me sinto. Tá eu sei, racionalmente eu vejo que tive várias conquistas, eu não seria bem a definição padrão de perdedor.

Mesmo assim eu me sinto perdedor. Na verdade eu sei o que é isso. Existem pressões sociais. Pressões para que eu seja um perdedor. É o que se espera de quem toma atitudes como as minhas e muda radicalmente de vida sem qualquer planejamento como eu fiz. Essas pessoas são "predestinadas" a serem perdedoras. E não é somente a inveja que busca a atenuação de sua nulidade no fracasso dos outros, mas também os dados estatísticos.

De cada cem pessoas que experimentam mudanças radicais em sua forma de vida, 98 mudam pra pior, as outras duas ganham no bicho (conforme estudo realizado pelo IBGE). Então a ampla base factual corrobora a teoria vigente de que estou fadado ao fracasso.

Muito embora as expectativas de seis biblhões de pessoas possam pesar sobre mim, ainda assim certos aspectos da mudança devem estar fugindo à compreensão dos jurados do Silvio Santos. Entre eles posso citar o fato de que emagreci 16 quilos em 3 meses -- Alguns teóricos atribuem o emagrecimento vertiginoso de machos da espécie humana a três fatores fundamentais que podem se manifestar isoladamente ou atuar conjuntamente na queima de tecido adiposo, são eles: uma mulher (ou mais de uma); fome; e chifres. Em qualquer uma dessas opções aparece intrínseco, um ideal de fracasso, para estes teóricos basta encaixar-se em uma destas possibilidades, para deixar de lado a ilusão de algum mérito. -- Entretanto, minha situação possui um agravante, exceto pelo item primeiro item, não me enquadro em qualquer outro critério ofídico que justifique meu rápido emagrecimento.

É claro que não se faz necessário, conforme exposto anteriormente, mais do que um dos 3 fatores básicos para satisfazer duzias de colegas de trabalho no horário do intervalo, porém uma contradição agora se apresenta, criando um paradoxo que desafia a sólida base de conhecimento demonstrada até agora: parei de fumar.

Este dado, aparentemente inocente, traz em si a raiz de uma contradição. Para alguns autores, "quem para de fumar engorda" (SILVA, Apud SOUZA, 2006) e apesar disso, continuo emagrecendo aceleradamente. Neste caso, como parece não haver situação concreta para justificar meu fracasso, o jeito é partir para o campo da conjectura filosófica. Nesse âmbito, há os partidários da doença: que acreditam que possa ser AIDS ou quem sabe um cancer no pulmão (o fato de eu não fumar mais poderia ser um indício). A segunda possibilidade deve ser afastada pelo fato de haver bastante cabelo em minha cabeça, mesmo que muito dele esteja no ralo do meu banheiro.

Bem, a tese da inevitabilidade do meu fracasso não é defendida somente no plano científico e filosófico. Também as abordagens religiosa e o senso comum (até o senso comum!!) sustentam que não há forma de eu me dar bem no mundo. Certos líderes religiosos defendem que eu devo fracassar por que é necessário que eu fracasse, para que eu possa enfim ser tocado pelo espírito santo. Outras correntes sustentam que eu estaria pagando pelos pecados e crimes de uma vida anterior ou mesmo desta. Ainda existem outros grupos que manifestam que meus atos imorais e totalmente contrários à família e os bons costumes é que serão o motivo de minha derrota. O senso comum prega que "nossa, coitadinho!!", sim, é uma opinião plausível.

04 março, 2006

tardes escuras e quentes

-- Não há muito pra fazer aqui! -- Diz o agitado coletador de evidências. Impossível não associar a imagem dele à de um personagem de desenho animado. é magro e encurvado, grandes óculos sobre o grande nariz. A aparência de abutre é quase compatível com sua profissão. Mas não, há um ligeiro desvio, os abutres estão lá embaixo!

Ela era famosa, eu mesmo já a havia visto pela televisão, eu não costumo assistir televisão. Os abutres são o atestado de sua fama. Um documento inútil, a essa altura.

O quadro começa a se formar na minha cabeça: a porta fora arrancada de seu lugar de uma única vez. Ou o assassino usou algum tipo de equipamento, ou era mesmo muito forte. A ausência de marcas na porta e a violenta pressão feita sobre a garganta da moça resolvem a dúvida. Provavelmente um profissional, rápido, limpo, eficiente, estrangulou até o momento exato em que não precisava mais fazer força, então a deixou e foi embora, sem tocar em nada, provavelmente sem dizer nada. Um perito, bastante sério, nada de recados, bíblias, últimos pedidos, nada dessa parafernalha toda.

Não houve qualquer preocupação em nos confundir, tentar forjar um assalto, acidente ou a ação de um louco, simplesmente uma mulher estrangulada. O que deveria reduzir as hipóteses acaba nos confundindo ainda mais. Na verdade há, nas tentativas de encobrir e desorientar nosso trabalho, pequenas incorreções, ambiguidades (Freud chamaria de "atos falhos"), que nos revelam o responável. Invariavelmente é assim que acontece. Mas nesse caso, a crueza dos fatos nos desarma. Uma simples morte, quem iria querer um simples assassinato, com tantas opções cinematográficas disponíveis por aí!!

Mas a verdade é essa e estamos perdidos. O pessoal do departamento vai interrogar as testemunhas sobre um cara grande, monstruosamente grande, pelo tamanho dos dedos. Com sorte, uma descrição e um fio de cabelo. Nada sob as longas unhas da vítima, afinal, ele não era um amador. Então bateremos a descrição com o sistema e provavelmente dois ou três sujeitos fichados pularão na tela, serão abordados e provavelmente nenhum será o nosso homem e a investigação continuará até que os abutres se cansem. Esse é o meu trabalho e eu estou farto dele!