30 abril, 2006

Meu Vício

Não sei sobre o que escrever, mas eu quero escrever, preciso, tenho que escrever, criei esse vínculo. Não escrevo bem, não uso direito as normas ortográficas nem os princípios de redação. Mas isso não importa. Não digo nada de novo, imito meus mestres, imito mal. Mas não interessa. Quem lê isso aqui, lê por vontade própria. Se gosta ou não, não faz a mínima diferença. Só serve pra mim me livrar do que me atormenta, me salvar, me redimir. Para isso serve bem. Serve melhor do que qualquer coisa. Quando consigo ver meus pesadelos e sonhos representados por sinais gráficos, mesmo que parcialmente, sinto que venci de alguma forma. Por isso continuo essa merda, pra me manter longe da loucura. Pouco importa a minha tosquice linguística.

A palavra é um simulacro de expressão, é uma tradução da linguagem do pensamento: dinâmica, ágil, etérea, para a linguagem verbal: limitada, tosca, concreta demais. E por isso, escrever é uma limitação. Isso não é novidade, alguém já deve ter pensado algo melhor e escrito antes de mim. Mas hoje a constatação dessa paralisia natural da língua me parece muito mais importante, ela está de alguma forma relacionada com a falta de criatividade.

Acho que os seres humanos teriam desenvolvido muito mais a comunicação se não tivessem criado signos para representar seus anseios. A palavra tenta domar o indomável, domesticar o pensamento, que tem uma estrutura caótica. Mas enquanto não temos capacidade para mais, uso isso para sobreviver à mim mesmo.

Inconsciências urbanas

Ela andava rebolando aquela bunda descomunal pela rua, dentro daquela calça preta que marcava bem as formas, uma blusa que deixava a barriga aparecendo, com aquele piercing medonho no umbigo e nas costas aquele tribal tatuado que parecia apontar para o rabo, como se precisasse chamar mais atenção para essa parte. O sutiã era daqueles que juntam os seios, que não eram muito grandes, mas conseguiam ficar juntos o suficiente para simular a forma de uma bunda. O decote era grande o bastante para mostrar isso.

Era um outdoor de luxúria. Anunciando o quanto aquele corpo poderia causar prazer a quem fosse escolhido. Naturalmente ela se achava linda assim e naturalmente ela não queria chamar a atenção de todos os homens. Por isso se irritava quando aqueles que não interessavam babavam nas suas formas super expostas.

Nesse dia tinha acontecido. Um cara olhou fixamente para aquele rabo e aqueles peitos e ele se sentiu desrespeitada. Foi no ônibus, ela estava de pé, porque estava lotado, o cara estava sentado. O único lugar disponível era ali em pé do lado dele ou na roleta de frente para o cobrador. Mas ela já havia passado a roleta e o cobrador tinha cara de tarado. Se ela voltasse lá o filha da puta ia achar que ela estava dando em cima dele. Ficou ali mesmo com o outro tarado.

O desgraçado quase babava na boceta dela, que ficava bem marcada pela calça preta justa. Ela só pensava “que nojo” e olhava em volta se já havia liberado lugar.

Numa curva o cara segurou no ferro na frente dela, o ferro em que ela estava agarrada. O ônibus passou a curva e o sujeito esqueceu a mão ali, olhando para a janela para disfarçar. Cada pessoa que passava pelo corredor empurrava e ela era obrigada a se espremer contra o ferro, roçando a boceta na mão do cara. Aquilo era horrível.

Ela olha para a roleta, mas o lugar já fora ocupado por uma velha que discute com o cobrador o efeito da tevê nos jovens de hoje em dia. Ela não tem saída!

A boceta segue fazendo pressão contra a mão do cara enquanto o ônibus enche ainda mais, ela consegue distinguir o formato dos dedos dele.

Algumas pessoas já tem que ficar no meio do corredor e um cara para bem atrás dela. Conforme o ônibus balança o cara se esfrega no rabo dela e a boceta dela se esfrega na mão do outro cara. Ela procura desesperadamente outro lugar, mas não tem.

Ela sente o pau do cara atrás endurecer. Não há o que fazer. O cara do banco começa a mexer com a mão de leve, quase imperceptivelmente, ou será que ela estava imaginando? Nenhum deles se olha diretamente. A cena continua por uma eternidade, até que o ônibus chega no centro e todo mundo desce. Ela vê o cara de trás arrumar o pau na calça.

As pernas dela tremem, ela tem vontade de vomitar. Pensa em chamar a polícia, chamar sua mãe! Que direito tinham eles de tirar casquinha dela!! Que nojentos!!

Ela passou o dia inteiro mal humorada, de vez em quando lembrava do ônibus e se imaginava fazendo um escândalo, desmascarando os canalhas na frente de todo mundo no ônibus. Todos apoiando ela. Um cara lindo no fundo percebendo o quanto ela ficava bonita furiosa.

Quando chegou em casa estava cansada, tomou banho e foi dormir, antes separou a roupa que ia usar no dia seguinte, uma calça mais apertada e uma blusa mais curta.

29 abril, 2006

Desaparecendo...

Estou aqui, eu acho. Metade um pouco translúcida, a outra já não existe. Um pouco de ar por favor...

Estou me perdendo em mim... não, em vocês. Estou me perdendo em vocês...

25 abril, 2006

Um conto suburbano

Foi bastante estranho, eu estava sentado lendo, enquanto o ônibus me levava para uma parte esquecida da cidade, uma parte que eu detesto, mas que tem aquilo que mais me importa.

Ela já estava sentada lá quando cheguei. Eu preferia ter sentado sozinho, pois assim evitaria essas situações de pernas se tocando, um joguinho que eu já enjoei. Mas como não tinha nenhum banco vazio, eu escolhi aquele por que ela me pareceu ser anti-social o suficiente para me odiar por isso e então me deixar em paz. Funcionou por um tempo e eu pude ler sem ser incomodado.

Porém alguma motivação que eu não sei explicar, fez com que um diálogo absurdo se estabelecesse.

-- Desculpa, posso te interromper?
-- Sim?
-- Tu por acaso não teria 10 folhas de ofício pra me vender?

Olhei bem pra ela. Esse não é o tipo de coisa que se fala pra puxar assunto. Ela tinha um rosto bonito e parecia drogada. Fiquei pensando em como ela poderia se chapar com 10 folhas de ofício, mas não me ocorreu nada.

Então pensei, ela pode estar tentando me impressionar, se passar por escritora. Bem, se ela conhecesse o que eu estava lendo - o velho Buko - teria percebido que isso não é o tipo de coisa que me impressiona. De qualquer forma mandei:

-- Queria escrever?
-- Não, não. é pra um trabalho. Desculpa, desculpa.
-- Ah, não foi nada, se eu tivesse as folhas te daria.
-- Ah, obrigado, eu ia mandar uma mensagem agorinha mesmo -- e pegou o celular.

Ela parecia bastante nervosa, como se precisasse das folhas para escrever um testamento. Pensei em mais alguma coisa pra dizer, mas não veio. Ficamos ali sentados, eu fingindo que lia e ela calada. 5 minutos depois ela se levantou, disse tchau e me deu um tiro na cabeça.

17 abril, 2006

...

Não sei como foi acontecer, talvez por falta de capacidade administrativa, falta de planejamento, provavelmente as duas. Mas eu estou com fome. e com vontade de fumar. comi pela última vez ontem as 18h, agora são 13h, não tenho grana, acabei de fumar o último cigarro filado de um filósofo. tão duro quanto eu. tenho planos de comer novamente. amanhã ao meio dia. quanto a fumar, eu não sei.

Não sei como acabei assim. Sei sim, foi por escolha própria. troquei o conforto por autonomia. boa troca. mesmo na atual conjuntura ainda penso assim. certo, sou teimoso, não dou o braço à torcer e ainda sou otimista, apesar de saber o quanto isso pode ser prejudicial.

Hoje eu estou de folga, vou dormir e me sentir como orwell. é sempre uma boa fuga. sentir-se de alguma forma heróico por passar por provações que não tem qualquer sentido . depois posso jogar na cara de meus netos que eles não sabem o que é passar necessidades.

Sei que um dia vou me livrar dessa e ficarei numa boa. Uso isso como alento frequentemente. Isso é uma fase, passa, passa, logo passa. Dorme querido, dorme, a dor vai ir embora, vou tirar com a mão, dorme minha criança, acorda quando estiver bom. eu fico aqui do teu lado, te olho, te cuido, te amo...

14 abril, 2006

Um pouco de BláBláBlá condescendente

Abri esse negócio hoje com a intenção de escrever algumas linhas contra a hipocrisia social na qual estou envolvido, mas acho que estou lamurioso demais, me queixando muito. E esse ambiente que me rouba seis horas diárias, seis dias por semana (90 dias inteiros por ano (sem contar o tempo de locomoção), fiz a conta uma vez), não é hipócrita por escolha própria, é uma espécie de obrigação.

Também não é culpa das pessoas serem repetitivas e viverem numa constante conversa de amenidades. Isso é o que elas tem. Sobre o que mais falariam se todos os dias começam e acabam da mesma maneira?

-- Eu só quero encontrar um velho bem rico pra me casar – diz uma gorda tão feia que poucos velhos se interessariam.
-- Não sou gorda, sou gostosa.
-- Não chamo a minha mulher de meu bem por que senão me tomam.
-- Que dia bonito hoje e nós aqui trabalhando! – Mas ao menos temos emprego, alguém responde.

Essas coisas são ditas tantas vezes por que refletem uma monotonia interna tão grande que chega a preocupar. São ditas como catarse. Quem ouve entende bem isso, pois sempre responde com um sorriso amarelo e outra frase pronta, se houver alguma na ponta da língua (e quase sempre há).

O que a hipocrisia e as amenidades tem em comum? São formas de repressão. Um jeito (bastante tosco) de maquiar o que realmente se pensa, que é inconfessável (sempre). Uma simples forma de não expor os pontos fracos em público e evitar que o pior aconteça.

Ser hipócrita esconde a inconsistência de nossas opiniões e o cinismo nos impede de ter que bater em todas as pessoas com as quais convivemos diariamente. As amenidades impedem que desabemos em pranto violento com o primeiro conhecido que encontramos. Imagine se, em vez de um “vai se levando”, respondêssemos: “OOOH!! Maldita Vida!!! Eu sou um desgraçado!! Não tenho onde cair morto!! To virando alcoólatra e to cheio de hemorróidas! E aaah minha prisão de ventre!!”. Além dessa brilhante utilidade, muitos desses bordões, sistematicamente reproduzidos em qualquer ocasião, servem como um escudo, empunhado antes mesmo de se ver a lâmina da espada, justificando desde gordura até casamentos falidos e impotência sexual. É, as conversas climáticas não são tão ruins assim.

Se você ver alguém sendo hipócrita ou repetindo a mesma ladainha de sempre, não pense que ele é um simples idiota, só está fazendo o jogo comum, se protegendo e protegendo o pacto de não-agressão que existe nos extratos intermediários da sociedade (Isto porque lá embaixo não há o que proteger, e lá em cima, isso não é preciso com tanta freqüência). Fazendo isso ele se afasta ainda mais de você, age da melhor maneira possível, nas condições que tem, para não ter que conviver com você mais do que o necessário.

02 abril, 2006

Razões pelas quais eu queria ser Thoreau

Eu queria ser Thoreau para viver em uma cabana isolado da sociedade. Tá, tá, eu sei, não sou auto-suficiente para viver sem os confortos da cidade. Mal sei apagar meu fogãozinho à álcool sem provocar um incêndio e uma semana sem energia elétrica me faz sentir um pouco menos humano.

Mas nos sonhos... corto lenha, pesco, planto uma horta e um pomar, caço, faço fogo com pauzinhos. Assim consigo fugir da cidade e suas pessoas, das obrigações sociais e das relações financeiras, de parentesco, de cordialidade, de estética, de hipocrisia. Vivendo de minhas próprias forças... Espero não ser preso por não pagar impostos!

Eu queria ser Thoreau para conseguir não apenas transmitir, mas amplificar minha indignação usando palavras. Na verdade eu queria sentir indignação e não esse rancor resignado que me provocam as instituições sociais mais deterioradas. E quando penso nas formas existentes de protesto, organização e mobilização, eu me desespero ainda mais.

Desespero... Essa palavra é quase sempre associada com histeria, com um último e inarticulado esforço de se ver livre de uma situação ruim. Não, desespero não é isso, é o que vem depois. É a letargia. Saber que não há mais nada à ser feito. É a falta de esperança.

Desespero para mim é assistir todas as novelas todos os dias, saber tudo de todas as celebridades. É esperar na janela do apartamento, por algo para rechear a mente e as conversas. É trabalhar 40 anos num hospital e não querer parar. É dormir cedo para acordar cedo.

E não sentir o peso.